sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Os Sonetos a Orfeu
Um deus pode. Mas como erguer do sol,
na estreita lira, o canto de uma vida?
Sentir é dois; no beco sem saída
dos corações não há templos de Apolo.
Como ensinas, cantar não é a vaidade
de ir ao fim da meta cobiçada.
Cantar é ser. Aos deuses, quase nada.
Mas nós, quando é que somos? em que idade
nos devolvem a terra e as estrelas?
Amar, jovem, é pouco, e ainda que doam
as palavras nos lábios, ao dizê-las,
esquece os teus cantares. Já não soam.
Cantar é mais. Cantar é um outro alento.
Ar para nada. Arfar em deus. Um vento.

Rainer Maria Rilke
Tradução Augusto de Campos

Nenhum comentário:

Postar um comentário